segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Idiotas úteis



Caminhar sobre a lama sem se sujar. A vida social, aos (raros) portadores de bom senso, tem se resumido a essa tarefa árdua e penosa.

Ela é árdua e penosa justamente porque deve ser exercida num mundo onde tais características afugentam. A ansiedade pelo imediato, pela constante exposição exagerada da vida e o entorpecimento pelo excesso de tudo não permitem que haja ânimo para tarefas árduas e o que exige esforço, por mínimo que seja, é deixado de lado com rapidez proporcional a velocidade do serviço de transferência de dados contratado.
Seu produto não venderá bem se ele não for fácil de usar.

E o produto mais lucrativo e útil é você. A lama já passa da altura dos joelhos e você está cada vez mais fácil de usar.

O processo gratificante de conhecer uma pessoa através de longas conversas foi substituído por uma olhada em uma página na internet. Sei onde você esteve e com quem esteve. Sei o que fez, quais são seus círculos sociais, suas idéias, os livros que leu e os filmes que viu. Conheço sua imagem plástica digital que você tentará ostentar caso haja um eventual encontro concreto e a construção de uma relação honesta será estuprada pela necessidade doentia de ser visto.

Laços duradouros e sinceros estão em extinção porque pressupõem investimento de energias, exigem esforço e paciência, plantar e esperar.
Mas quem se importa com tais coisas quando o discurso vigente é o de “ser livre e sem compromisso”?

Caberia então questionar o que é liberdade.

E liberdade é uma palavra que tornou-se escusa. Escusa para não perceber a lama, que já passa da altura dos joelhos.

Se você não é capaz de seguir na contramão dos impulsos mais imediatos e reger o oceano de energias flutuantes que é você, de que liberdade poderá usufruir?

Se você vai para onde seus genitais apontam, sem reflexão alguma sobre as conseqüências das suas ações, chamar esse comportamento de “liberdade sexual” não é uma hipocrisia?

Livre é quem faz o que não quer. Mas a propaganda, seus pais e os livros de auto-ajuda te disseram que você é especial. Que você pode ter tudo e conquistar o que quiser.

Somos uma geração entorpecida pela vaidade, pela facilidade, pelo excesso e de livres não temos nada.

Somos vazios de sentido porque não queremos nos dar ao trabalho de construí-lo nós mesmos.

Rasos de experiência e conhecimento porque queremos chegar sem caminhar e aprender sem praticar.

Somos objetos vagantes em busca da próxima dose de alguma coisa que preencha o vazio com mais espaço sem nada.

Somos a desconstrução e a subversão repugnante de tudo que deveria servir de alicerce para a construção de indivíduos saudáveis e capazes de discernir.

Somos rótulos, marcas e fugas. Fugimos da dor, da tristeza, do esforço e de tudo que contribui para o crescimento do espírito.

Somos bestas animalescas e fétidas vestidas com ternos e roupas de grife. Entretidos com o circo de plástico dos problemas criados de propósito, perdidos na cizânia de classes, minorias e raças que se retroalimentam com ódio e desdém mútuo enquanto marchamos rumo ao tolhimento de nossos direitos fundamentais.

Somos nós a própria lama que já nos afoga. E nos deixamos afogar crendo-nos livres.

Somos fáceis de moldar com doses homeopáticas de subversão.

Somos Idiotas úteis